Espaços públicos e privados ganham novos significados com iniciativas artísticas

Em 10/08/2018
-A A+

Imóveis abandonados, empreendimentos fechados, praças e ruas esvaziadas. São diversos os espaços que, de alguma forma, deixaram de exercer a função original e se degradaram ao longo do tempo. Mas, graças a iniciativas particulares, alguns deles vêm sendo ressignificados por meio de um denominador comum: a arte.

No município de Água Preta, na Mata Sul, uma antiga usina de açúcar desativada há cerca de vinte anos está sendo revitalizada pela família que comandava o empreendimento. A Usina de Arte, como passou a ser denominada, começa a se transformar, aos poucos, em um “parque artístico-botânico”, com a instalação de obras de arte a céu aberto e a recuperação da fauna e flora locais. Tudo isso preservando-se a história e a memória do local, com o reaproveitamento de espaços, equipamentos e materiais da antiga usina.

Um dos idealizadores do projeto, Ricardo Pessoa de Queiroz, conta que o objetivo é mudar a realidade socioeconômica das comunidades que dependiam da destilaria para sobreviver. “A gente acredita muito no potencial da arte para o desenvolvimento de uma comunidade que estava há tanto tempo esquecida e à margem de todo esse desenvolvimento que o Nordeste, e Pernambuco, em especial, sofreu nos últimos vinte anos.”

A Usina oferece cursos profissionalizantes e oficinas de música, fotografia, pintura, entre outros tipos de arte. “É fazer com que a comunidade se aproprie das potencialidades da área, da região, de uma forma distribuída e sustentável. Que cada um desenvolva o seu próprio negócio, se apropriando dos potenciais ecológicos, ambientais, turísticos, artísticos, culturais etc.”

Para a moradora Maristela Solano, a revitalização da usina mudou a vida da comunidade. “Foi muito conhecimento. Aí começou essa transformação: ‘Eu preciso crescer, vou crescer.’ Porque as pessoas pensam, muita gente pensa que arte só faz parte de uma classe, de uma classe rica. Não. Quem foi que disse que pobre não gosta de arte? Pobre ama a arte! A arte é pra todo mundo.”

De acordo com a professora de Artes Visuais da UFPE, Renata Wilner, a arte tem esse poder de transformar e potencializar a história de um lugar e sua comunidade. “Está se inventando uma forma de dizer e de gerar mais movimento e mais produção simbólica em torno de algo que o local já tem historicamente. Não é negar sua história, ao contrário, é afirmar sua história e dar continuidade a ela gerando novas discussões, novos olhares e nova produção.”

Na capital pernambucana, iniciativas artísticas também vêm transformando comunidades e dando novos usos para os espaços públicos e privados. Na Comunidade do Pilar, no Bairro do Recife, um casarão abandonado que servia como ponto de prostituição e tráfico foi transformado em hospedagem e casa de shows por músicos e artistas de rua. Hoje, o Casarão das Artes, como foi batizado, acolhe crianças da região com aulas de artes marciais e circenses, e representa o principal espaço de lazer para elas.

O atual administrador da casa, o professor e artista Michel Gomes, diz que pessoas de fora da comunidade também procuram o Casarão para oferecer aulas e eventos ligados a arte e cultura. “O que atrai as pessoas para esse casarão é a simplicidade. É dizer de fato que as portas estão sempre abertas e elas estarão, dependendo do que seja, obviamente. Se for voltado à cultura e à educação, sempre vai estar de portas abertas.”

A artista Amanda Neves, que já ministrou aulas de tecido acrobático no Casarão, encontrou formas de ocupar também os espaços públicos por meio da expressão corporal. Há cerca de dois meses, ela organiza oficinas de acrobacia urbana em diversos pontos do Recife. Pontes, praças, faixas de pedestre e até mesmo ônibus de linha, viram palcos de performances. A artista explica que as ações geralmente têm objetivos pontuais, que podem ser tanto para o entretenimento puro, como para terapias coletivas ou atos de resistência. “Por exemplo, ocupar a ponte de ferro é uma maneira de ocupar os espaços urbanos centrais com o corpo da mulher, e é uma maneira de resistência à ideia de que a rua é lugar de homem.”

Para a professora Renata Wilner, essas interações da arte com o público têm sido cada vez mais valorizadas e expandidas no mundo. “É interessante, porque as pessoas que estão circulando pela rua não esperam, elas não estão indo ao encontro da arte, a arte é que vai ao encontro delas, então esse encontro inesperado do público com a arte também gera resultados interessantes.”

Ela afirma que a arte possibilita o encontro de pessoas e histórias diferentes para construir novas narrativas e agregar novos significados a obras e lugares. Mas que ainda é necessário ampliar o ensino das artes nas escolas e garantir mais apoio do poder público às iniciativas.